quinta-feira, 26 de junho de 2014

Ouvir basta para escutar?

Não, não basta. Há 11 anos a R&A usa metodologias de diagnóstico que partem do ouvir. Costumamos dizer que escutar é a nossa forma de planejar com mais eficiência. No entanto, muitas vezes, os diagnósticos que trazem uma escuta profunda dos stakeholders não conseguem chegar aos níveis superiores das organizações.

Existem sempre os inovadores nas áreas de Comunicação ou RH. Ousam. Conseguem contratar uma pesquisa de “escuta profunda”, mas não conseguem tempo e disponibilidade emocional da liderança para efetivamente escutar os resultados. Por quê? Porque às vezes passam-se três anos, o gestor que contratou a pesquisa já foi para outra organização atrás de seus sonhos e o outro contratado “descobre” a pesquisa perdida num computador e nos telefona porque percebeu que ali estão os mesmos problemas que vem sentindo na organização.

Sempre penso que os executivos não querem ouvir os diagnósticos porque na maioria das vezes eles não referendam as maravilhas disseminadas pelo marketing da empresa. Às vezes por vaidade, às vezes por medo de não conseguir mais manter o castelo de cartas. 

Na última Conferência do ETHOS, Oscar Motomura abriu mais uma possibilidade de interpretação dessa resistência: o medo de mudar. Ouvir com profundidade pode, de acordo com ele, suscitar a pergunta: “E se, de repente, o outro me convence? Pra que ouvir?”.

Não estamos em tempos de “marketear” o certo que fazemos. Frente aos desafios atuais, a busca de novo equilíbrio econômico, justiça social e respeito a todos os seres vivos é muito complexa. Estamos longe, muito longe de fazer a coisa certa. Nas nossas próprias atitudes e, mais ainda, com nossas empresas, governos e organizações.

Estamos em um tempo da comunicação de fazer menos banners, jornaizinhos ou publicidade e mais e mais comunicação face a face. Ouvir, escutar e permitir que potências humanas adormecidas possam encontrar oportunidades de plena realização. Nas empresas, nos governos, nas ONGs, nos presídios, nas comunidades.

É tempo de ouvir, refletir... e não ter medo de mudar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Abundância de informação X Escassez de atenção

Você já parou pra pensar no que faz do Facebook uma empresa tão influente hoje? A resposta não está necessariamente nos resultados financeiros, ou na capacidade de inovação da equipe de Mark Zuckerberg, e sim em uma estatística simples: 1.4 bilhão de usuários passam em média, mais de 15 horas por mês conectados ao Facebook! Na prática, isso significa que o Facebook tem acesso a um dos recursos mais escassos do planeta Terra na atualidade: a atenção de muita, muita gente.

O economista Herbert Simon (1916-2001) foi o primeiro a descrever o fenômeno da economia da atenção, ainda sem esse nome, na década de 1970: "A riqueza de informação cria pobreza de atenção, e com ela a necessidade de alocar a atenção de maneira eficiente em meio à abundância de fontes de informação disponíveis". 

Se a abundância de mensagens competindo por nossa atenção não é algo novo, por outro lado ela nunca foi tão facilmente perceptível quanto hoje - e não estamos falando apenas de campanhas publicitárias, dessas que parecem nos perseguir onde quer que estejamos. 

Estamos falando também no volume de telefonemas e e-mails que recebemos, nos posts e notificações enviados pelas mídias sociais que frequentamos, nas solicitações automáticas dos aparelhos e aplicativos que usamos, nos painéis eletrônicos nos elevadores e nas ruas, etc. Cada gota desse oceano representa uma tentativa de nos "impactar", de nos estimular a esta ou aquela ação.

Recentemente, ouvindo o noticiário matinal em uma grande emissora nacional de rádio, me arrisquei a anotar a quantidade de mensagens publicitárias que as marcas tentaram me empurrar em 45 minutos de trajeto entre a minha casa e o escritório, acreditem, foram mais de 52 propagandas, entre anúncios, patrocínios, promoções, informes publicitários, etc.  Ao chegar no escritório, foram mais algumas dezenas de anúncios em portais, sites de conteúdo e até dentro do e-mail. 

Saturados pelo volume de estímulos a que somos expostos, somos forçados a lidar permanentemente com a escolha entre quais mensagens ignorar - ou não. Passamos a "premiar" as mensagens e agentes que melhor atendam ao nosso contexto (momento, necessidades e expectativas), por mais efêmero e imperceptível que este seja. 

E é esta, 40 anos depois, exatamente a questão que se coloca para as empresas. Um cenário de abundância de informação e escassez de atenção cria oportunidades para que pessoas e organizações atuem como "filtros", identificando e traduzindo o que há de relevante para seus públicos. Essa é, aliás, uma forma de agregar valor à marca da empresa.

Diante desse cenário, os gestores de marketing e comunicação estão na berlinda e cada vez mais buscam alternativas para atrair a atenção de seus públicos-alvo, de consumidores à investidores. 

Mas existe luz no final do túnel. Uma das tendências do momento é a adoção de plataformas de inteligência de comunicação que, a partir da captura, análise e cruzamento do conteúdo de Big Data – mídias sociais, imprensa e publicidade – permitem tomadas de decisão mais rápidas e inteligentes, baseadas no comportamento do consumidor e na correlação com indicadores de negócio. E aí, com base nessas análises, ofereceremos ao público exatamente aquilo que ele busca, e que de alguma maneira possa agregar valor à nossa marca. Na verdade, é exatamente isso que a comunidade de comunicação e marketing deveria estar fazendo desde sempre.

Estamos falando de uma nova tendência em comunicação, totalmente inbound (orientada pelos interesses do público), ao contrário de tudo que fizemos ao longo do século XX, totalmente outbound (orientado pelo interesse e pelas ofertas das empresas). Antes tarde do que nunca. Rei morto (o império da propaganda), rei posto (o império do público).

terça-feira, 10 de junho de 2014

A vida segue

Chamamos nossa agência de assessoria de imprensa para uma conversa. Decidimos interromper nosso contrato durante a Copa, afinal, no país do futebol, é só sobre isso que as pessoas estarão dispostas a falar. A resposta foi simples e óbvia: as editorias de negócios continuarão atrás de pautas para preencher seus espaços. A vida segue.

Aliás, que a vida segue, já ensinava minha avó. Mas, para aprender, não basta entender a teoria. É preciso parar para refletir e observar que, de todas as questões de vida ou morte pelas quais passamos, apenas uma ou outra talvez tenha sido, verdadeiramente, de vida ou morte. A maioria foi só uma questão passageira.

A Copa do Mundo irá passar e, enquanto ela estiver instalada por aqui, a vida irá seguir seu curso. As pessoas continuarão trabalhando e comprando os produtos e serviços que as empresas irão vender nesse período. E, justamente porque os muitos feriados e toda a distração causada pelos jogos devem trazer uma complexidade a mais para essa dinâmica, precisaremos de atenção redobrada, sob o risco de perda de foco.

Quem trabalha em comunicação pode olhar, portanto, o evento como um problema ou como uma oportunidade.

É um problema quando tira o foco das pessoas sobre o trabalho, mas é uma oportunidade para relembrar o propósito da organização e sua importância para o desenvolvimento do Brasil. Porque a Copa irá passar e a empresa irá ficar.

É um problema quando provoca na população um sentimento dúbio de orgulho por sediar o acontecimento futebolístico mais importante do planeta e de revolta pela forma visivelmente amadora como o País se preparou para sediá-lo, mas é uma oportunidade para conversar sobre o mundo imperfeito em que vivemos e os convites de evolução que surgem quando nos damos conta de que nós também fazemos parte e ajudamos a construir essa imperfeição. Porque a Copa irá passar e um país melhor a construir irá ficar.

É um problema quando observamos os ânimos à flor da pele, o nível de tolerância cada vez menor, a impaciência se transformando em revolta, o debate pela verdade única tomando conta das conversas, mas é uma oportunidade para ajudar as pessoas a se reconectarem e se encontrarem em torno de uma causa maior, um espaço onde as diferenças não nos separam, mas nos complementam, porque, sim, todos queremos um país e um mundo melhores – só discordamos sobre os caminhos, e escutar o outro em um diálogo aberto é a única maneira de criarmos juntos soluções melhores para todos. Porque a Copa irá passar e nós iremos ficar.

Quando a Copa se for, podemos nos tornar ainda mais separados, intolerantes, impacientes, cegos pelas nossas certezas e enclausurados por nossas visões limitadas de mundo, ou mais unidos e animados pela busca do bem comum, se aproveitarmos toda a energia que um evento dessa magnitude nos oferece para olharmos para nós mesmos e percebermos que todas as emoções que a Copa nos provoca não têm nada a ver com a Copa, mas com nós mesmos, com nossas próprias crenças e valores. Porque a vida segue, e pode seguir melhor quando a gente reconhece no outro não um inimigo ou um adversário, mas um presente de valor incalculável, pois, como escreveu Margaret Wheatley, “quando nos abrimos para diferenças que nos pareciam perturbadoras, descobrimos que as interpretações que os outros têm do mundo são essenciais à nossa sobrevivência”.