quarta-feira, 29 de julho de 2015

De Dentro para Fora

A melhor gestão de crise é feita muito antes de ela começar e se chama prevenção.  

A prevenção é feita em três frentes:
1) Levantamento dos assuntos sensíveis e públicos de interesse para a organização;
2) Monitoramento de tais assuntos e relacionamento com os diversos públicos;
3) Treinamento para o enfrentamento da crise.

Estudos feitos junto a organizações globais mostram que a maior parte das crises empresariais ou institucionais ocorre de dentro para fora. Ou seja, é um funcionário ou um grupo de funcionários que mostram descontentamento com a forma como a organização se relaciona ou se comunica com eles. O conflito gera um problema de reputação que se expande para públicos externos como imprensa,  governo, organizações de classe, sindicatos.

Na sociedade transparente, cuidar da comunicação interna é, portanto, um dos primeiros passos na direção de uma arquitetura de gestão de crise – talvez o alicerce do edifício. Outros métodos se somam na interseção com o mundo externo.

Em primeiro lugar, no levantamento dos assuntos sensíveis e públicos de interesse. Alguns métodos vão direto ao cerne da questão, classificando temas e audiências em áreas que variam de baixíssimo a altíssimo risco, com graus intermediários que dependem da vulnerabilidade do negócio ou do escrutínio público em torno dele.

Tais classificações, bem ordenadas em documentos frequentemente atualizados, colaboram para que um comitê de crise anteveja com rapidez os possíveis cenários, uma vez deflagrada a crise. São muito úteis também para o engajamento e a sensibilização de parte do público interno – envolver a média liderança no sistema de prevenção de crise, por exemplo, pode ser não apenas um antídoto, mas também uma forma de agilizar o fluxo de informações e assim a tomada de decisões quando surge a contingência.

O Mapa por Opinião e Influência, método propriedade da Ogilvy Public Relations, criado em Washington DC e utilizado por consultores da agência em toda a rede global, inclusive no Brasil, cumpre um papel semelhante, porém focado no propósito específico de estabelecer com precisão o tom e a intensidade do relacionamento com os diversos públicos – dos naturalmente aliados aos claramente opositores.

Tudo começa com a definição de um posicionamento que a entidade tenha ou queira ter perante o mundo e a sociedade. Pode ser no campo da saúde, da sustentabilidade, da economia, das políticas públicas ou em qualquer outro. A partir desse posicionamento, expresso por meio de uma frase, é feita uma longa lista de indivíduos e organizações que potencialmente se posicionam publicamente em relação ao tema – empresários, acadêmicos, jornalistas, ONGs, empresas, entidades de classe, sindicatos, grupos de pressão e outros formadores de opinião.

Dessa lista são selecionados os mais relevantes, os quais terão suas expressões públicas a respeito do tema (aparições na mídia, websitepapers, pronunciamentos) pesquisadas. Os dados dessa pesquisa são inseridos em um formulário no qual se atribuem notas relativas aos graus de exposição e de proximidade do pensamento de cada entidade e indivíduo em relação ao posicionamento da organização-cliente.

É a partir dessas notas que cada stakeholder ganha um lugar no Mapa, o qual é composto de quatro áreas divididas pelos eixos Influência e Opinião. O quadrante superior direito, de maior influência e opinião, é onde naturalmente estão os aliados da organização, indivíduos e entidades potencialmente prontas para o engajamento. Já nos quadrantes à esquerda, principalmente o superior, de opinião potencialmente divergente e alta influência, estão possíveis detratores e fontes de situações críticas.

De nada adianta um eficaz mapa de temas e públicos sensíveis, porém, se a alta liderança não estiver comprometida com a prevenção da crise. Assim, o processo consiste em constituir um comitê ligado ao CEO e sob a liderança de um executivo de sua confiança, envolvendo representantes de diversas áreas – RH, área jurídica, operações, marketing, relações públicas, atendimento ao cliente/consumidor e assim por diante.

Além de contribuir para a confecção dos mapas, o comitê deve passar por simulações de prováveis cenários de uma crise – a queda de um avião em uma companhia aérea ou a retirada de um produto do mercado pela Anvisa, em uma empresa farmacêutica, para citar alguns exemplos.

O sistema de prevenção de crise pode ser complexo e exigir um investimento razoável por parte da organização. Tal investimento, porém, terá sempre um valor infinitamente menor ao das perdas causadas por uma crise mal gerida ou por falta de preparo. Como na medicina moderna, é melhor prevenir que remediar. E, claro, sempre de dentro para fora.
Renata Saraiva

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Mirando no alvo errado

Reter talentos não é tarefa fácil. Aliás, fácil ela nunca foi. Mas já tem um tempo que este desafio parece ainda mais difícil de ser vencido.

Dizem que os jovens de hoje em dia não se comprometem com a empresa por estarem mais preocupados com a própria carreira. “Que egoístas!” Os jovens que foram às ruas contra o aumento da tarifa de ônibus? Os voluntários do Teto? Afinal, era só pelos 20 centavos? Ou eles não são tão egoístas assim?

Alegar que a culpa da crise de gestão corporativa nasce de uma certa displicência da juventude é mirar no alvo errado. Mas nem tão errado assim.
Não há displicência, mas o que ocorre é que a cultura que tem emergido nos últimos tempos é que está no epicentro deste terremoto. A cibercultura está por trás de comportamentos mais impulsivos, do desejo de ter as alegrias da vida agora e não daqui a um ano, de precisar estar sempre em movimento e jamais parar de aprender, de sentir que está crescendo.

Se do alto de nossas longas carreiras apontamos para a juventude como origem da crise, podemos acabar esquecendo que parte da responsabilidade está conosco. Somos gestores de longa data. É nosso papel mapear as habilidades e expectativas da nossa equipe, construindo um plano de desenvolvimento tanto do grupo quanto de cada indivíduo.

Desenvolver pessoas é algo que demanda tempo e muita dedicação mas, para aqueles que estão acostumados com processos rígidos, infelizmente não há como automatizar ou padronizar a educação e o desenvolvimento de sua equipe. 

Para que os gestores sejam bem sucedidos, precisam manter contato constante com as equipes, evitando passar o dia inteiro em reuniões ou atividades externas. Elas ajudam a resolver assuntos burocráticos ou tomar decisões de negócios, mas também podem afastar o gestor de seu time por um período extremamente longo.

Além disso, é preciso aproveitar os momentos de relacionamento e interação para aprender ainda mais sobre os desafios e conquistas atuais pelas quais sua equipe está passando. Lembrando que ao fomentar o engajamento do time, é preciso avaliar o que busca cada profissional. Isso fica claro quando o gestor tentar motivar seu time com um bônus quando parte da equipe adoraria receber mais oportunidades de treinamento, ou mesmo, ao invés de um aumento imediato, há quem prefira ser reconhecido com um projeto desafiador que pode comprovar seu valor e seus diferenciais para a companhia.

Oferecer estímulos e reconhecimentos desalinhados com a expectativa de sua equipe pode acabar comunicando que o que é importante para cada profissional não está refletido nos valores práticos da companhia.
Há quem prefira aventura e os que preferem rotina. Sem ter clareza dos objetivos de cada colaborador, podemos expulsá-los de nossos times com as melhores das intenções.

E, acima de tudo, não tenha vergonha ou medo de incluir seus colegas de trabalho na tomada de decisão sobre quais desafios serão liderados pelo seu time, e permita ao grupo manifestar quem pode ajudá-lo a seguir os melhores caminhos para o sucesso.
Mauricio Felício

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Já foi a um não lugar hoje?

Não lugar é um conceito criado pelo antropólogo francês Marc Augé, que estuda o comportamento da sociedade pós-moderna. Alguns lugares têm alma própria, como a casa dos nossos avós, o parque que frequentamos com nossos filhos, o local de encontro na praia, ou o famoso ponto turístico imperdível para quem visita uma cidade. São fontes riquíssimas de sentido e de identificação. “Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar” (Augé, 2010, p. 73).

Os não lugares existem e se tornam cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Para o autor, os não lugares são produtos da supermodernidade, como os shopping centers, os aeroportos, os supermercados, os hotéis. Lugares onde devemos nos guiar mais pelas sinalizações escritas do que por nossas próprias experiências anteriores. Lugares onde normalmente não estabelecemos relacionamentos e não deixamos marcas. Lugares que aceleram a vida e que nos convidam a sair. Com certeza você, leitor, em viagem a trabalho, já experimentou o desconforto de tomar café da manhã sozinho, em algum hotel, onde o ar condicionado é tão gelado que torna a agradável experiência da primeira refeição do dia em algo apressado e desconfortável. Seu único desejo é sair correndo de lá.

E os nossos atuais ambientes de trabalho? Também estão se tornando não lugares?  Muitos escritórios hoje em dia buscam soluções tão racionais que nem oferecem aos funcionários a possibilidade de personalizar suas estações de trabalho. Muitas vezes, essas soluções são implantadas para simbolizar ambientes abertos, descontraídos, igualitários e transparentes, com a pretensão de criar agilidade e facilitar os relacionamentos. No entanto, podem, ao contrário, passar a sensação de transitoriedade, de não pertencimento, de frieza nas relações, de verdades não palpáveis. Podem se transformar em um lugar ao qual não se pertence, ou seja, em um não lugar. Na visão de Edgard Schein, estudioso sobre cultura organizacional, essas soluções de layout constituem o que ele denomina de artefatos externos de uma determinada cultura organizacional, que são visíveis, mas nem sempre fáceis de serem interpretados por quem não está inserido naquela cultura.

Aí está uma boa oportunidade para o comunicador organizacional que pretende aprofundar sua contribuição estratégica à  empresa onde estiver trabalhando. Ficar no nível dos artefatos nem sempre leva aos melhores caminhos de identificação dos públicos de relacionamento de uma organização. Se a empresa se transformou em um não lugar para seus funcionários, provavelmente os discursos internos, por exemplo, se tornarão tão carentes de identificação quanto, na metáfora usada por Augé, o anúncio do piloto ao informar aos passageiros que o avião, a grandes alturas e em alta velocidade, sobrevoa uma determinada cidade. O piloto informa; os passageiros, como nada veem, deixam pra lá, num ciclo comunicacional falacioso entre o emissor e os receptores. “Não se enxerga nada, na verdade: o espetáculo, mais uma vez, não passa de uma ideia, de uma palavra” (AUGÉ, 2004, p. 96). O caminho para esse resgate talvez seja tão simples quanto o piloto fazer o anúncio no momento em que, de fato, a cidade estiver visível a quem quiser olhar.
Denise Pragana