quinta-feira, 2 de julho de 2015

Já foi a um não lugar hoje?

Não lugar é um conceito criado pelo antropólogo francês Marc Augé, que estuda o comportamento da sociedade pós-moderna. Alguns lugares têm alma própria, como a casa dos nossos avós, o parque que frequentamos com nossos filhos, o local de encontro na praia, ou o famoso ponto turístico imperdível para quem visita uma cidade. São fontes riquíssimas de sentido e de identificação. “Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar” (Augé, 2010, p. 73).

Os não lugares existem e se tornam cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Para o autor, os não lugares são produtos da supermodernidade, como os shopping centers, os aeroportos, os supermercados, os hotéis. Lugares onde devemos nos guiar mais pelas sinalizações escritas do que por nossas próprias experiências anteriores. Lugares onde normalmente não estabelecemos relacionamentos e não deixamos marcas. Lugares que aceleram a vida e que nos convidam a sair. Com certeza você, leitor, em viagem a trabalho, já experimentou o desconforto de tomar café da manhã sozinho, em algum hotel, onde o ar condicionado é tão gelado que torna a agradável experiência da primeira refeição do dia em algo apressado e desconfortável. Seu único desejo é sair correndo de lá.

E os nossos atuais ambientes de trabalho? Também estão se tornando não lugares?  Muitos escritórios hoje em dia buscam soluções tão racionais que nem oferecem aos funcionários a possibilidade de personalizar suas estações de trabalho. Muitas vezes, essas soluções são implantadas para simbolizar ambientes abertos, descontraídos, igualitários e transparentes, com a pretensão de criar agilidade e facilitar os relacionamentos. No entanto, podem, ao contrário, passar a sensação de transitoriedade, de não pertencimento, de frieza nas relações, de verdades não palpáveis. Podem se transformar em um lugar ao qual não se pertence, ou seja, em um não lugar. Na visão de Edgard Schein, estudioso sobre cultura organizacional, essas soluções de layout constituem o que ele denomina de artefatos externos de uma determinada cultura organizacional, que são visíveis, mas nem sempre fáceis de serem interpretados por quem não está inserido naquela cultura.

Aí está uma boa oportunidade para o comunicador organizacional que pretende aprofundar sua contribuição estratégica à  empresa onde estiver trabalhando. Ficar no nível dos artefatos nem sempre leva aos melhores caminhos de identificação dos públicos de relacionamento de uma organização. Se a empresa se transformou em um não lugar para seus funcionários, provavelmente os discursos internos, por exemplo, se tornarão tão carentes de identificação quanto, na metáfora usada por Augé, o anúncio do piloto ao informar aos passageiros que o avião, a grandes alturas e em alta velocidade, sobrevoa uma determinada cidade. O piloto informa; os passageiros, como nada veem, deixam pra lá, num ciclo comunicacional falacioso entre o emissor e os receptores. “Não se enxerga nada, na verdade: o espetáculo, mais uma vez, não passa de uma ideia, de uma palavra” (AUGÉ, 2004, p. 96). O caminho para esse resgate talvez seja tão simples quanto o piloto fazer o anúncio no momento em que, de fato, a cidade estiver visível a quem quiser olhar.
Denise Pragana

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