terça-feira, 10 de junho de 2014

A vida segue

Chamamos nossa agência de assessoria de imprensa para uma conversa. Decidimos interromper nosso contrato durante a Copa, afinal, no país do futebol, é só sobre isso que as pessoas estarão dispostas a falar. A resposta foi simples e óbvia: as editorias de negócios continuarão atrás de pautas para preencher seus espaços. A vida segue.

Aliás, que a vida segue, já ensinava minha avó. Mas, para aprender, não basta entender a teoria. É preciso parar para refletir e observar que, de todas as questões de vida ou morte pelas quais passamos, apenas uma ou outra talvez tenha sido, verdadeiramente, de vida ou morte. A maioria foi só uma questão passageira.

A Copa do Mundo irá passar e, enquanto ela estiver instalada por aqui, a vida irá seguir seu curso. As pessoas continuarão trabalhando e comprando os produtos e serviços que as empresas irão vender nesse período. E, justamente porque os muitos feriados e toda a distração causada pelos jogos devem trazer uma complexidade a mais para essa dinâmica, precisaremos de atenção redobrada, sob o risco de perda de foco.

Quem trabalha em comunicação pode olhar, portanto, o evento como um problema ou como uma oportunidade.

É um problema quando tira o foco das pessoas sobre o trabalho, mas é uma oportunidade para relembrar o propósito da organização e sua importância para o desenvolvimento do Brasil. Porque a Copa irá passar e a empresa irá ficar.

É um problema quando provoca na população um sentimento dúbio de orgulho por sediar o acontecimento futebolístico mais importante do planeta e de revolta pela forma visivelmente amadora como o País se preparou para sediá-lo, mas é uma oportunidade para conversar sobre o mundo imperfeito em que vivemos e os convites de evolução que surgem quando nos damos conta de que nós também fazemos parte e ajudamos a construir essa imperfeição. Porque a Copa irá passar e um país melhor a construir irá ficar.

É um problema quando observamos os ânimos à flor da pele, o nível de tolerância cada vez menor, a impaciência se transformando em revolta, o debate pela verdade única tomando conta das conversas, mas é uma oportunidade para ajudar as pessoas a se reconectarem e se encontrarem em torno de uma causa maior, um espaço onde as diferenças não nos separam, mas nos complementam, porque, sim, todos queremos um país e um mundo melhores – só discordamos sobre os caminhos, e escutar o outro em um diálogo aberto é a única maneira de criarmos juntos soluções melhores para todos. Porque a Copa irá passar e nós iremos ficar.

Quando a Copa se for, podemos nos tornar ainda mais separados, intolerantes, impacientes, cegos pelas nossas certezas e enclausurados por nossas visões limitadas de mundo, ou mais unidos e animados pela busca do bem comum, se aproveitarmos toda a energia que um evento dessa magnitude nos oferece para olharmos para nós mesmos e percebermos que todas as emoções que a Copa nos provoca não têm nada a ver com a Copa, mas com nós mesmos, com nossas próprias crenças e valores. Porque a vida segue, e pode seguir melhor quando a gente reconhece no outro não um inimigo ou um adversário, mas um presente de valor incalculável, pois, como escreveu Margaret Wheatley, “quando nos abrimos para diferenças que nos pareciam perturbadoras, descobrimos que as interpretações que os outros têm do mundo são essenciais à nossa sobrevivência”.

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