Hoje em dia grande parte dos trabalhadores busca mais do que
apenas um emprego para prover o seu sustento. Estas pessoas anseiam se dedicar
a uma causa, serem reconhecidas quando fazem um bom trabalho e atuarem em
organizações onde o clima interno seja no mínimo acolhedor. É por isto que nos
últimos anos muitas empresas fizeram de tudo para se transformarem no sonho de
consumo de jovens talentos e também dos profissionais com carreiras já
consolidadas.
Contudo, dificilmente vemos qualquer uma destas companhias
tentando se parecer com uma família ou se declarar como tal. Elas sabem que as
metáforas exigem um esforço descomunal para serem compreendidas como se quer e,
portanto, não vale a pena escolher aquelas cuja interpretação varia de acordo
com as experiências acumuladas ao longo da vida do receptor.
Quem convive numa família equilibrada, tem a felicidade de
receber afeto e foi educado com base em valores universais percebe este
discurso de "aqui na empresa somos uma família" de um modo muito
diferente daquele outro indivíduo que infelizmente veio de um lar no qual
sofria maus-tratos, escutava brigas constantes ou era alvo de descaso.
Concordo que para muitos é difícil deixar de lado este tipo
de comparação, afinal quase 90% das empresas brasileiras são dirigidas por
famílias e suas peculiaridades. Firmas em que pais, irmãos, tios, primos,
trabalhadores que não têm laços consanguíneos - mas são percebidos como
"gente de casa" - e outros que acabaram de chegar têm de separar sua
vida pública da privada na hora de tratar de negócios. O problema é que a chave
liga-desliga não funciona para vários deles.
Em meu dia a dia profissional é cada vez mais comum
encontrar situações nas quais este tipo de projeção (empresa = família) foi
terreno fértil para que o puxa-saquismo e outras formas de relacionamento por conveniência
se instalassem como cancro na companhia. Isto sem falar na resistência às
mudanças e na acomodação daqueles que acreditam ser imprescindíveis.
É claro que os gestores patrocinam isto tudo ao preferirem
ser condescendentes com erros graves só porque "fulano é um bom menino
grande parte das vezes". Ou então, no extremo oposto, ao repreenderem
implacavelmente qualquer pessoa que saia da linha dentro da cultura
"aqui-quem-manda-sou-eu".
Outro fato que chama atenção nas empresas que se veem como verdadeiras
famílias é o número de eventos promovidos para integrar as pessoas. A
iniciativa de aproximá-las até que é louvável. No entanto, a intimidade
excessiva cultivada neste tipo de corporação acaba sendo muito danosa com o
passar do tempo. Por quê? Como as pessoas tornam-se achegadas até demais,
várias delas passam a não medir as consequências daquilo que falam e o clima
organizacional tende a ficar insuportável entre aqueles que até pouco tempo
atrás se tratavam como irmãos. Resumindo: intimidade só é conveniente quando
existe maturidade.
Muitas pessoas e estudiosos criticam as organizações porque
seus discursos nem sempre se tornam realidade e não tenho como divergir deste
pensamento. Entretanto, somos seres que vivem de histórias e estas ajudam os dirigentes,
os funcionários, os clientes, os fornecedores e a sociedade como um todo a
compreender como determinada empresa pensa e age diante do caso concreto.
Por isto, vale a pena investir energia para encontrar a
metáfora que explica o tipo de corporação que vocês são ou querem ser. Só tenho
uma sugestão a fazer: deixemos nossas famílias fora desta discussão para não
confundir. Empresa é empresa, família é família.
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