Empresas já se conscientizaram de que sua
rotina de produção (e não de trabalho) estava bitolando seus empregados — e
afetando diretamente os negócios — e decidiram mexer em sua estrutura. Veja a
seguir como exigir menos das pessoas e conseguir mais.
Rotinas de produção
No passado, quando tinha dificuldade de
achar os trabalhadores fora do expediente de trabalho, o chefe precisava
garantir que as 8 horas da jornada fossem realmente produtivas. Agora, afirma
Jennifer Deal, pesquisadora do Center for Creative Leadership e da Universidade
do Sul da Califórnia, “o lado sombrio da conectividade 24 x 7 (24 horas, nos
sete dias da semana) é que as pessoas estão sempre ligadas, mas nunca
terminam nada”.
Em entrevista, a pesquisadora diz que
alguns profissionais não têm tempo para parar e pensar profundamente no que
devem fazer. “Muitos sentem como se estivessem sempre correndo para apagar
incêndios, mais do que sendo estratégicos em sua função”, ela diz.
Segundo Neuza Chaves, líder de projetos
na Falconi Consultores de Resultado, uma das mais importantes consultorias de
negócios do país, o que leva as pessoas a viver apagando incêndios são as
“rotinas ruins”.
Isso pode estar associado a gente demais
envolvida na tomada de decisão, mudança constante de direcionamento por parte
dos líderes, processos malfeitos (excesso de e-mails e relatórios, reuniões
desnecessárias, planejamento fraco) e computadores e sistemas lentos.
Essa morosidade emperra a produtividade e
espanta os talentos da empresa. Em média, diz Neuza, apenas 17% da capacidade
de um profissional é aproveitada. “É como se a empresa comprasse uma Ferrari e
só usasse a primeira marcha”, diz ela.
O desperdício de inteligência e
criatividade faz com que fique cada vez mais difícil uma companhia sobreviver à
nova fase do capitalismo — prevista porShoshana Zuboff, professora aposentada
da Harvard Business School e conhecida como “a profeta da era da informação”
desde que publicou, ainda em 1989, as oportunidades e os riscos da revolução
digital.
No capitalismo de Shoshana, chamado de “A
economia de apoio”, as pessoas não aceitam mais ser tratadas como objeto. Elas
continuam dependendo do trabalho — e do consumo — para viver, mas almejam ser
vistas como indivíduos, ser ouvidas e fazer a diferença.
A nova era já começou, mas os empregados
amadureceram antes das empresas. “As companhias ainda vivem o paradigma da
Revolução Industrial, época em que só interessava produzir, produzir, produzir”,
afirma Odair Silva Soares, economista e professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Forma de trabalhar
A primeira recomendação da Falconi
Consultoria é melhorar a rotina da corporação. Isso porque, quanto mais estável
o ambiente, mais tranquilidade os funcionários têm para pensar. “Nossa
experiência mostra que, estabilizada a rotina, surgem as melhorias e, depois, as
inovações”, diz Neuza Chaves.
Para ela, uma boa rotina
começa com o conhecimento técnico que os empregados têm da área. “Se alguém tem
dificuldade para explicar o que faz, algo está errado”, afirma. O próximo passo
é identificar o fluxo das atividades e os processos críticos. Mapeados, os
procedimentos devem ser escritos; e as pessoas, treinadas.
A 3M,
reconhecida mundialmente por sua capacidade de inovação, usa nas áreas de apoio
(inclusive em recursos humanos) metodologias originalmente criadas para a
fábrica, como a Lean Manufacturing (também chamada de Sistema Toyota de
Produção) e a Six Sigma.
A primeira foca na redução dos
desperdícios, enquanto a segunda busca a eliminação dos erros. Quando aplicadas
no escritório, afirma o diretor de RH André Scatolin, as disciplinas fazem com
que o empregado vá direto ao ponto e procure as pessoas certas, na hora certa.
“É uma forma de diminuir as atividades redundantes, liberando tempo para
pensarmos no que importa”, diz ele.
Uma das inovações aconteceu dentro da
própria área de RH. Ao descobrir que cada subárea realizava a tarefa de um
jeito, havia redundância de assinaturas e o trabalho demorava a ser finalizado,
a equipe de gestão de pessoas criou um call center para receber e direcionar as
demandas dos clientes internos.
Quando um gestor quer promover alguém,
por exemplo, ele liga para a central de atendimento, que encaminha o pedido,
seguindo processos padronizados. “O que antes o gestor levava 1 hora para
resolver agora o faz em 1 minuto”, diz Scatolin. O “Fale com o RH” acabou
virando referência para outras subsidiárias da 3M na América Latina.
Abra espaços
Corrigida a rotina, a
corporação deve criar uma agenda sistemática de inovação, promovendo reuniões a
cada 15 dias, pelo menos. “Funciona como uma academia, mas, em vez de fortalecer o físico, as pessoas
exercitam a capacidade de indagar e resolver”, explica a consultora da
Falconi.
É isso o que tem feito a
fabricante de cosméticos Natura, que neste ano ocupou a décima posição no
ranking de instituições mais inovadoras do mundo, segundo a revista Forbes. Desde dezembro de 2012, a companhia promove
as Festas do Futuro, um espaço colorido e agradável onde qualquer empregado, de
qualquer área ou cargo, pode comparecer e contribuir com ideias.
A festa acontece toda
quinta-feira, das 9 às 13 horas, e os presentes ficam o tempo que desejar. “O
participante senta-se à mesa cujo tema mais lhe interessa e todos conversam
livremente. O próprio grupo define quem direcionará a discussão e quem fará o
registro — a única exigência do encontro”, diz Gilson Manfio, gestor de
ciências e inteligência de redes da Natura e coordenador das Festas do Futuro.
Graças a esses encontros, a Natura
conseguiu lançar um xampu no mercado em apenas três meses, envolvendo
exclusivamente a equipe interna. “Normalmente, isso levaria mais tempo, pois
teríamos de contratar uma agência de publicidade, passar as informações,
desenvolver a campanha etc.”, afirma o executivo.
Em outra festa, a Natura reuniu 115
mulheres, de 26 áreas diferentes, para discutir a linha Mamãe & Bebê: de novos
produtos a inserção de campanhas, a empresa obteve mais de 120 ideias.
Além dos resultados concretos, a Festa do
Futuro melhorou a interação entre os funcionários. Pessoas de diferentes áreas, que geralmente não
se conectariam, passaram a interagir para a execução de projetos. “Percebemos
que há uma demanda reprimida nas corporações: as pessoas querem contribuir para
a inovação, mas isso geralmente fica fechado em uma área específica”, diz
Manfio.
Para desmitificar o processo de geração
de ideias, o laboratório Sabin, de Brasília, decidiu abrir seu Núcleo de
Inovação para todos os empregados. Até cinco anos atrás, ele era restrito à
produção científica, mas a diretoria rapidamente percebeu que, além de questões
técnicas, a inovação abrange assuntos financeiros, gerenciais e de mercado.
Hoje, uma equipe de dez pessoas coordena
o núcleo, mas os demais funcionários podem mandar sugestões por e-mail ou
sistemas internos de comunicação. Ocasionalmente, são chamados a
participar dos projetos. “Inovar é correr riscos. Muitas vezes o resultado não
é o esperado, mas a organização precisa estar sempre discutindo esse assunto”,
diz Sandra Costa, sócia e diretora técnica do laboratório.
Para ela, o segredo é entender que a
inovação não tem necessariamente de gerar algo revolucionário. Pode apenas
significar uma nova maneira de trabalhar. Por exemplo, em vez de realizar
treinamentos presenciais para as equipes nos seis estados onde o laboratório
está presente, o Núcleo de Inovação sugeriu aulas virtuais. A ferramenta de
e-learning já conta com 25 000 horas de conteúdo, disponível para os 1 200
empregados do Sabin.
A solução gerou uma economia de 300 000
reais apenas no custo de deslocamento que a empresa teria caso levasse o
treinamento para cada um dos estados. Também como fruto do Núcleo de Inovação,
o Sabin criou um aplicativo que possibilita aos pacientes visualizar os
resultados de seus exames pelo celular ou tablet.
Com o AppSabin, o laboratório reduziu o
uso de papel, diminuiu o número de clientes nos balcões de atendimento e
agilizou o atendimento aos pacientes. Hoje, 43% dos laudos são retirados pela
internet — uma economia de mais de 500 000 reais por ano.
Invista no espaço físico
Além da abertura para os indivíduos exporem suas
ideias, as companhias devem trabalhar seus espaços físicos — e aí é preciso
tomar muito cuidado para separar o que não passa de um lugar moderno daquele
que é realmente eficiente.
Não adianta apenas derrubar divisórias e
aproximar equipes sem ter uma planta adequada e um propósito de trabalho. Um
estudo publicado no Jornal Escandinavo de Trabalho, Ambiente e Saúde mostra que
os funcionários alojados em escritórios abertos ficam, em média, 62% mais
doentes do que os instalados em salas individuais.
Isso porque os vírus e as bactérias se
espalham facilmente nesses lugares, e a falta de privacidade, o barulho e a
temperatura elevam o nível de estresse dos indivíduos — contribuindo para as
doenças. As conversas constantes distraem os trabalhadores, baixando a motivação
e impactando na produtividade. “Toda vez que alguém é interrompido, a mente
demora 64 segundos para retomar a atividade”, diz o psiquiatra Frederico Porto.
Dificilmente as empresas retornarão ao
layout fechado, mas é importante oferecer opções para quem precisa se
concentrar. No escritório do Google em
São Paulo, por exemplo, além de salinhas individuais, os empregados podem se
retirar para a varanda, na cobertura, sentar numa das espreguiçadeiras e
produzir tranquilos.
Outra opção, incentivada na Semco,
fabricante de máquinas industriais, é que os funcionários fiquem em casa quando
precisam de silêncio. “Os ambientes funcionam como metáfora e mostram às
pessoas como elas devem se comportar”, diz Neuza Chaves, consultora da Falconi.
Uma decoração colorida deixa claro que a corporação quer as pessoas alegres,
livres para conversar e parar para um cafezinho — onde nascem muitas ideias. O Google
é mestre (e referência) nisso.
Inspire a liderança
Não adianta nada mexer no layout do escritório
e melhorar as rotinas de trabalho se os líderes continuam tratando seus
funcionários como máquinas de cumprir prazos e bater metas. É deles a
responsabilidade de gerar confiança e oferecer autonomia para que os
profissionais se sintam livres para expor suas opiniões e ideias.
Ícone de um estilo de gestão de
vanguarda, a Semco se apoiou nos principais líderes para disseminar sua
preocupação com inovação. Quando ninguém falava sobre isso, em 1984, Ricardo
Semler, então superintendente da empresa, eliminou o vigia dos relógios de
ponto, a revista dos funcionários e o controle de qualidade.
Ele estabeleceu um contrato de confiança
e deu, assim, espaço e liberdade para as pessoas criarem. “O
básico é você dar responsabilidade para o funcionário, fazer com que ele se
sinta parte importante do negócio, independentemente se é do setor de limpeza
ou da contabilidade, um operário ou um diretor”, diz José Alignane, presidente
da unidade de equipamentos industriais e de equipamentos de refrigeração da
Semco.
Essa responsabilidade faz com que o time
entenda que um parafuso errado pode causar um acidente lá na ponta. Para
garantir esse senso de importância, todos na Semco são tratados da mesma forma,
sentam em mesas do mesmo tamanho e concorrem igualmente no sorteio da melhor
vaga do estacionamento — antigamente destinada ao presidente.
Mensalmente, os presidentes mostram ao
time os dados financeiros da companhia. E, até hoje, qualquer um, do diretor ao
operador de máquina, consegue negociar com o chefe e chegar mais cedo ou mais
tarde ao trabalho, conforme a necessidade. “Tudo é baseado na confiança, e isso
reflete na produtividade”, diz Rodrigo Oliveira, presidente da unidade de
soluções em agitação da Semco.
Para garantir a inovação, dizem os dois
presidentes, os executivos precisam realmente querer que a companhia funcione
de forma mais justa, distribuindo responsabilidades e confiando nas pessoas. Do
contrário, seus funcionários serão meros cumpridores de deveres; e sua companhia,
uma máquina de produzir zumbis — e desperdiçar dinheiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário