Como todo mundo sabe, "gestão de pessoas" é o nome
que se dá ao conjunto de boas práticas que auxiliam a empresa a obter melhores
resultados por meio de funcionários bem treinados, bastante satisfeitos e
altamente motivados. O que é ótimo. Desde que, entre os funcionários, impere um
ambiente de camaradagem e aquele clima de cooperação mútua. O problema, como
sempre, está nas exceções.
A partir daquele momento em que o funcionário de boa paz tem
sua santa rotina invadida pelas exceções -- oportunistas, dissimulados,
carreiristas e outros expressivos representantes da minoria virulenta --, as
boas práticas da gestão de pessoas deixam de fazer efeito. Aí, a única solução
é a aplicação de um programa paralelo e informal: a Digestão de Pessoas, uma
espécie de modus operandi da boa antropofagia corporativa.
Por que "digestão"? Porque o objetivo é o mesmo do
sistema digestório do corpo humano. É oportuno esclarecer que o sistema
digestório, até bem pouco tempo, era chamado de aparelho digestivo. Mas,
aparentemente, alguma consultoria deve ter sido chamada para dar sua
contribuição ao avanço da ciência e fez o que qualquer consultoria faria: mudou
o nome do processo. A boa notícia é que a função básica do sistema digestório
continua a mesma: gerar a energia essencial ao funcionamento do corpo. Só que
os alimentos, na forma em que são engolidos - e por mais palatáveis que sejam,
não podem ser aproveitados pelo organismo. É preciso que eles sejam modificados
e transformados em nutrientes.
Nas empresas, ocorre o mesmo. É inevitável que o funcionário
de boa paz tenha de conviver com colegas intragáveis. E não adianta ficar
estressado nem tentar fingir que eles não existem: é preciso digeri-los. E aí,
uma vez bem digeridos, eles deixam de ser o purgante que são e viram proteína.
Segue a lista, segundo seu conteúdo (ou falta dele), do que
se encontra no cotidiano das empresas:
JILÓ
O jiló é amargo. Pessimista como ele só. Tudo para o Jiló
está ruim e tende a piorar. O que é antigo não funciona, e o que é novo nem
deve ser tentado porque não vai dar certo. Quem conversa com o Jiló fica com a
impressão de que a melhor estratégia para a empresa é fechar as portas e vender
os ativos como sucata (e, segundo o Jiló, ainda vai ser preciso pagar para o
cata-treco vir retirar). Efeito no organismo corporativo: por onde passa, o
jiló provoca azia. Frase favorita: "Isso é perda de tempo". Modo de digerir:
mastigue bem e engula devagar, de modo a manter a boca sempre ocupada e não ter
de falar durante o processo. Apenas, a cada queixa do Jiló, acene positivamente
com a cabeça. Pessimistas, quando reclamam, necessitam de um contraponto que
lhes dê forças para continuar reclamando. Sem essa alavanca, o Jiló irá se
desmanchando aos poucos. E, depois de algum tempo, sumirá de sua mesa.
VINAGRE
O vinagre é ácido e corrosivo. Para poder tirar proveito da
situação, faz o que pode para azedar o ambiente. É especialista em criar
dificuldades e em criticar qualquer ideia alheia - especialmente aquelas que
ele gostaria de ter tido. É duro de engolir, mas não pode ser subestimado,
porque sempre tem alguém que confunde a verdadeira motivação do Vinagre - o
carreirismo sem remorsos - com autenticidade. Efeito no organismo corporativo:
o Vinagre causa gastrite (e, quando é promovido a chefe, sobe na escala
digestiva e aí passa a causar úlcera). Frase favorita: "Assim não
dá!" Modo de digerir: a primeira reação do funcionário de boa paz é atacar
o Vinagre com unhas e dentes, mas isso só iria causar indisposição e mal-estar.
Ácidos precisam ser neutralizados, e a melhor maneira de fazer isso é por meio
do tato: da boca para fora, vá repetindo o fim de cada frase que o Vinagre disser.
Enquanto isso, por dentro, mantenha seu metabolismo gargalhando.
MELADO
O melado é pegajoso e enjoativo. Não tem opinião própria,
mas tem uma incrível habilidade para se apossar das opiniões alheias. Só se
aproxima de um colega quando está querendo alguma coisa, e vive na sombra dos
superiores hierárquicos, de quem copia o modo de falar e de vestir, e a quem
trata com uma deferência servil. Efeito no organismo corporativo: o Melado é um
parasita, e parasitas são garantia certa de cólicas. Frase favorita:
"Excelente ideia, chefe". Modo de digerir: Responda usando o mesmo
tempero: frases inócuas e descartáveis. Quando o Melado começar a perceber que
não vai conseguir extrair da conversa o seu alimento vital - algo que ele
depois possa usar em proveito próprio , ele ficará anêmico.
CHUCHU
O chuchu é insosso e insípido. Vazio e sem substância, leva
horas para não dizer nada e sempre aparece nos momentos mais inconvenientes.
Ninguém sabe bem o que o Chuchu faz, embora todos lhe reconheçam certa competência
para dar a impressão de estar fazendo alguma coisa. Mas seu verdadeiro talento
está na capacidade de postergar: nunca decide nada e cria todas as dificuldades
possíveis para que nada seja decidido. Se o Chuchu não fosse gente, seria uma
eructação (mais conhecida como arroto). Efeito no organismo corporativo: depois
de devidamente engolido, o resultado é o que seria de esperar, apenas gases.
Frase favorita: "Proponho a formação de um comitê para tratarmos do
assunto". Modo de digerir: quando o chuchu se aproximar, faça uma dieta:
levante-se, peça desculpas, diga que você está atrasado para uma reunião e saia
o mais rápido possível.
O requisito para a digestão de pessoas é aquele que o
funcionário de boa paz já aprendeu com base em experiências empíricas: para
encarar o menu de vaidades corporativas, é preciso ter muito estômago. A boa
notícia é que isso todo mundo tem. A má notícia é que nem todo mundo sabe usar,
e aí estraga o fígado. Digerir qualquer coisa e transformá-la em energia não é
lá muito apetitoso, mas é necessário, porque imuniza o organismo contra as
complicações gastro empresariais.
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