segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tempo de despertar

Imagine dois candidatos disputando a mesma vaga numa empresa multinacional. Um deles possui uma excelente experiên­cia profissional; o outro pode ser classificado como mediano.
Seria normal imaginar que o primeiro leva o prêmio, a não ser por um detalhe: é preciso ter fluência em inglês e o experiente, na outra organização, não precisava ler ou falar nessa língua e tampouco se preocupou em aprender o idioma de Shakespeare. Já o segundo, é fluente em inglês e ainda arrisca o espanhol - e acaba ocupando a vaga.

Situações similares acontecem, ainda, com freqüência, apesar de todo executivo (seja de qualquer nível hierárquico) saber da necessidade de falar outro idioma. Mas o que falta para muitos acordarem e mudarem essa situação? A mesma pergunta é feita todos os dias por Thais Blanco, consultora sênior da Hewitt Associates. Ela conta que ainda se surpreende com o nível e a qualidade da fluência em outra língua de muitos profissionais. "Em muitas entrevistas que fiz, foi possível perceber que apenas naquele momento é que muitos candidatos sentiam a importância de falar fluentemente outro idioma", lembra. Ou seja, a ficha caía com um certo atraso. E o mesmo pode acontecer com a nova geração.
Thais acredita que esses jovens também passam por problemas com outros idiomas e, se não tomarem cuidado, passarão pelas mesmas dificuldades quando entrarem no mercado de trabalho. "Eles até podem ter um pouco mais de facilidade para leitura, mas não para a fluência", observa. "É preciso acordar os pais. 

Atualmente, já existe a percepção de que a criança absorve o idioma com mais facilidade e de forma mais lúdica. Não é algo penoso, mas uma vivência melhor com o idioma."
Em qualquer empresa, as competências de comunicação sempre se destacam com eternos pontos de melhoria. Comunicar-se verbalmente e por escrito com os acionistas, clientes, superiores e subordinados de forma eficaz são atributos indispensáveis em qualquer organização. "Logo, o domínio de outro idioma torna-se um trunfo no ambiente corporativo", acrescenta Mário Fagundes, economista com especialização em RH, que atua há 19 anos como consultor de remuneração.

Mas quanto vale um profissional com fluência em um ou mais idiomas? A Pesquisa Salarial e de Benefícios da Catho Online, coordenada por Fagundes, constatou diferenças salariais significativas entre os profissionais fluentes em inglês. Na alta direção das empresas (diretores e presidentes), a diferença salarial entre os executivos que falam fluentemente inglês e aqueles que não falam é em média 52%. "Por outro lado, apenas 24% de todos os diretores entrevistados falam inglês fluentemente, contra 58% dos gerentes, ou seja, entre os gerentes o domínio da língua é mais generalizado, diminuindo assim a diferença salarial entre os profissionais", complementa Fagundes.

Outro estudo conduzido pelo Grupo Catho reforça essas diferenças. Batizada de "A Contratação, a Demissão e a Carreira dos Executivos Brasileiros 2005", a pesquisa foi feita via internet e respondida por 31.190 pessoas (de trainees até presidentes de empresas) em todo o Brasil.

O levantamento utilizou uma metodologia para medir o peso de diversos fatores na evolução salarial de executivos. Por exemplo, para cada ano ocupando o mesmo cargo na empresa foi registrado um acréscimo médio de 28 reais mensais, no nível de profissional especializado. Entre presidentes, esse aumento é de 162 reais. Já a língua inglesa representa 144 reais a mais por mês, nos cargos mais baixos. No topo da hierarquia, esse bônus pode chegar a quase 950 reais. O domínio do inglês chega a ter maior impacto do que a escolaridade, acentuadamente em níveis mais elevados da pirâmide corporativa.

Há que se registrar que esses valores são para os homens. A triste realidade é que as mulheres têm acréscimos menores em todos os itens pesquisados. Note-se também que apenas 23,65% dos entrevistados trabalhavam em empresas com capital estrangeiro - com faturamentos de 15 milhões de dólares a 100 milhões de dólares por ano. Isso demonstra que a internacionalização das atividades já é uma realidade para as companhias nacionais de todos os portes.

Mercado seletivo

Há nove anos trabalhando na People Consulting, consultoria de recrutamento e seleção de profissionais com foco em TI, Rita Mellone, coordenadora de RH da empresa, confirma a crescente exigência do domínio de outro idioma além do português - no mesmo ritmo que crescem as demandas por maior qualificação do profissional. "O mercado está cada vez mais seletivo", diz Rita, acrescentando que, além disso, está aquecido nesta época.

Ela conta que um grande passo já foi dado quando o assunto é mostrar qual o nível de conhecimento de inglês, por exemplo, por parte de um candidato. Atualmente, é possível perceber uma coerência maior entre o que está no currículo do profissional e o que ele efetivamente sabe sobre o idioma. Antes, nem sempre quem dizia ser fluente tinha esse nível. "Acredito que isso acontecia porque muitos achavam que não seriam avaliados nesse quesito", diz.

Para melhor identificar o grau de conhecimento sobre um idioma de um candidato, a People Consulting resolveu terceirizar as entrevistas em outra língua. "Optamos por contratar um fornecedor especializado para apontar exatamente o nível de fluência e, assim, termos mais segurança na hora de indicar um candidato", conta Rita, lembrando que também é verificado junto ao cliente se realmente o idioma é necessário e qual o nível exigido para a vaga. "Um erro comum no passado era a empresa exigir inglês fluente e o funcionário não precisar usá-lo no seu dia-a-dia de trabalho", diz.

Quem concorda com essa visão é Ugo Barbieri, sócio da Horton International, empresa de seleção de executivos especializada no recrutamento de talentos seniores. "Muitas empresas buscam um super-homem, mas, no dia-a-dia, o profissional só vai usar 50% de seus poderes", explica. E outro idioma, muitas vezes, está fora desse pacote. "Vale ressaltar que o conhecimento de um idioma é a chave de uma cultura e de uma visão de mundo", diz Barbieri. "Se você usa outros idiomas, você está interagindo com culturas diferentes e está dentro da filosofia de vida que o idioma expressa. E cada vez mais é necessário dominar outra língua por estarmos numa economia global", reforça.

Benefício ou investimento

Thais, da Hewitt, vê duas formas de a empresa oferecer um curso de idioma para seus funcionários. Um dos caminhos é como benefício. "A companhia possibilita o aprendizado, independentemente de ser algo importante ou estratégico", diz a consultora. Ou seja, quando o inglês não é fundamental ou quando o profissional já possui uma boa fluência nesse idioma e decide fazer outro curso de línguas. Em casos assim, em empresas multinacionais, geralmente é oferecido o benefício para cursos do idioma de origem da companhia.

Outra forma é como ação de desenvolvimento e envolve investimentos no profissional. "Imagine que a estratégia da empresa mude e seja necessário, a partir daquele momento, ter colaboradores com determinados níveis de conhecimento de outro idioma", conta Thais. "Nesse caso, a empresa vai investir no aprimoramento dessa competência, seja de forma integral ou em regime de co-participação, custeando entre 75% e 80% do valor do curso", observa. E a empresa vai cobrar do colaborador o retorno desse investimento - seja em termos de aproveitamento no curso, no dia-a-dia. "Eu já fiz isso: contratei uma pessoa e investimos num curso de inglês, no sistema de imersão no exterior", lembra.

Uma pesquisa da Hewitt divulgada no fim do ano passado, feita junto a cerca de 145 organizações, mostra que a maioria (61%) das consultadas oferece algum tipo de apoio à educação dos empregados, em grande parte com a condição de ter demanda pela atividade exercida pelo funcionário. O valor médio mensal do subsídio (quando determinado um valor fixo) é de 167,67 reais para ensino médio e 356 reais para ensino superior. Quando se trata de curso de idioma, o valor é 296,89 reais.

Conselhos

Além de poder ter uma remuneração menor, o pior que pode acontecer com o profissional que não fala outro idioma ou fica capenga numa conversa em outra língua é, segundo Marcelo Mariaca, diretor da Mariaca InterSearch, ficar à margem do mercado.
"E como, hoje em dia, o idioma do mercado é o inglês, quem não falar essa língua vai ser como aquela tia velha que sempre existe na família, que não sabe dirigir um automóvel".

Ele comenta que a tal senhora nunca será abandonada nas festas de Natal ou de Ano Novo, por exemplo, mas quando os parentes combinarem comer uma pizza e alguém se lembrar dela, sempre a imagem dessa tia estará associada a um estorvo - alguém terá de levá-la para casa depois. É o mesmo caso com o executivo: por conta dessa falta de competência, ele acaba ficando dependente de terceiros. "E num mercado cada vez mais competitivo, pode ser um problema, tanto para a empresa quanto para ele", diz Mariaca.

Para aqueles que não querem ficar para trás no mercado de trabalho, Mariaca dá alguns conselhos. "Em primeiro lugar, busque um curso intensivo, dentro ou fora do país, numa boa escola que tenha um bom laboratório", diz. O consultor recomenda, também, que o profissional estabeleça objetivos durante o curso. "Mas devem ser metas realistas. A pessoa não vai ser fluente em apenas um ano; isso pode levar mais tempo, um ou dois anos a mais, por exemplo. E talvez nem mesmo o aluno perceba essa fluência, já que se trata de uma evolução gradual."

Por fim, Mariaca pede que todos sejam claros e honestos na hora de elaborar o currículo: se não está fluente num idioma, que isso fique bem claro. "Não tenha medo de colocar que está cursando inglês três vezes por semana, por exemplo", diz, lembrando que, na verdade, a língua que deveria ser aprimorada é o português. "Vejo muitos alunos de pós-graduação escrevendo num português horrível", destaca.

De origem espanhola, mas criado nos EUA e naturalizado brasileiro nos anos 70, Mariaca não esconde um certo sotaque espanhol e admite suas deficiências em português. "Decidi ser brasileiro e tenho de melhorar", conta. Fique tranqüilo, Mariaca, seu recado foi claro o suficiente para fazer muitos executivos acordarem.

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