Porque a demanda por seu trabalho excede muito a oferta,
jovens talentos estão em posição de ditar condições para seus futuros
empregadores. Eles [jovens profissionais] exigem ser alocados em tarefas
relevantes desde o primeiro dia de trabalho e que as pessoas para as quais
trabalham lhes deem atenção e reajam à performance deles. Você certamente não
estranhou ao ler o trecho acima. Parece algo que faz parte da realidade
contemporânea. E faz.
No entanto, esse texto foi destacado de uma reportagem da
revista Fortune, publicado em 1969 e descoberto pela equipe do Lab SSJ,
consultoria dedicada à pesquisa e à construção de soluções de aprendizagem, ao
reunir material para um estudo sobre o que é realmente verdade e o que é mito a
respeito da geração Y (que agrupa nascidos entre 1980 e 2000).
"Pesquisamos muito sobre essa geração, o que ela faz de diferente em
relação às anteriores, e começamos a pensar que muita coisa que se afirmava era
mais senso comum do que verdade.
Quisemos ir mais a fundo sobre como esses jovens realmente
estão se comportando e perguntamos a eles quais eram os interesses deles ao se
candidatarem a um processo seletivo e o que esperavam das empresas
contratantes. Por outro lado, buscamos descobrir se o que os gestores pensavam
sobre os Ys correspondia à realidade", diz Mauro Mercadante, sócio diretor
do Lab SSJ. O resultado da pesquisa revela que o pessoal das empresas tenta
lidar com um perfil que não condiz com a realidade."É muito comum
caracterizar a geração Y por estereótipos: é ansiosa, não foca, quer fazer tudo
ao mesmo tempo, não tem paciência, não é leal etc. Já vi muitos consultores
abusando desses atributos, que são injustos e não refletem a geração",
afirma Sidnei Oliveira, consultor especializado no tema. "A ansiedade, a
falta de foco, a irreverência, o questionamento constante e a vontade de fazer
tudo ao mesmo tempo não são características dos Ys, mas de jovens em qualquer
geração", explica.
Para ele, geração Y é um rótulo que só tem mérito porque
trouxe à tona a discussão sobre o perfil do novo profissional: trata-se,
apenas, de um jovem com características de formação diferentes das de gerações
anteriores. São pessoas estimuladas a desenvolver competências baseadas em um
grande volume de informação, com instrumentos de tecnologia, e que passaram
mais tempo
focadas nos estudos, adiando sua entrada no mercado de
trabalho. Além disso, ingressam nesse mercado em um cenário no qual está claro
que a relação entre empresa e profissionais não é paternal, mas focada em
resultados para ambas as partes. "Por isso, as relações são um pouco mais
distantes, o que para quem é profissional há mais de 20 anos parece demonstrar
falta de comprometimento", comenta Oliveira. Ou será que os jovens, de
fato, não ligam para compromisso?
Mais de 20 anos
Sobre essa questão, vale trazer alguns dados da edição 2012
da pesquisa Empresa dos sonhos dos jovens, realizada pela Cia. de Talentos, em
parceria com a Nextview People. O estudo apontou que 41% dos jovens pretendem
permanecer por mais de 20 anos em uma empresa, desde que nelas se sintam
felizes. Apenas 3% acreditam que dois anos é o período suficiente para aprender
o que precisa e não se acomodar - e depois "cair fora". O
levantamento contou com a participação de 46.107 jovens universitários e
recém-formados de todo o país, com idade entre 16 e 26 anos, ouvidos em
questionários on-line e grupos focais.
Pode parecer surpreendente, mas eles também buscam estabilidade. "Este
não era um tema que tínhamos proposto trabalhar na pesquisa, mas apareceu
principalmente nas entrevistas qualitativas. Todas as respostas vinham
permeadas por esse assunto", conta Danilca Galdini, sócia-diretora da
Nextview People. "Na cabeça dos gestores, estabilidade está relacionada a
cabide de empregos. Quando os jovens falam dela, falam em desenvolver uma
trajetória sólida. O que estão buscando é um lugar onde sintam segurança para
poder desenvolver sua carreira ", esclarece Danilca.
E o que as empresas precisam oferecer para que os jovens se
sentam felizes e permaneçam em suas fileiras? Em primeiro lugar, oportunidade
de desenvolvimento. A maior parte dos participantes da pesquisa do Lab SSJ
(72%) disse que a companhia ideal oferece a possibilidade de realizar trabalhos
desafiadores para obter aprendizado contínuo; 58% deles buscam no trabalho a
possibilidade de criar, inovar e assumir novos desafios; e 43% procuram a
possibilidade de empreender, influenciar e ter autonomia e liberdade.
Além de oportunidade de desenvolvimento para que os Ys
permaneçam felizes em uma organização, é necessário muita transparência em
relação ao que a empresa realmente tem a oferecer e o que espera desse jovem
profissional. "Ele tem um desejo muito grande de aprender e de se
desenvolver a partir de uma inserção profissional", afirma Danilca. O
problema ocorre quando essas expectativas não são atendidas. "Nesse caso,
a intenção dele de permanecer em uma empresa é colocada dentro de um cenário
ideal e no dia a dia ele não consegue lidar com as frustrações. Por isso, não é
possível, hoje, dizer uma coisa para o jovem e fazer outra. Ele precisa
acreditar que aquele é um lugar onde pode construir algo de longo prazo."
Vale destacar, também, que os comportamentos específicos dos
Ys têm relação com o contexto em que nasceram: cercados de tecnologia e em um
ambiente de mais intimidade com os pais. "Os jovens de hoje têm mais
competência em atividades multitarefa, estão acostumados a estudar com o
computador e a TV ligados", afirma Sidnei Oliveira. Isso sem contar com o
fone de ouvido em pleno uso. Para o consultor, esses jovens são mais
superficiais em suas análises, mas têm uma acentuada capacidade de buscar
inovação. "Não necessariamente de promover essa inovação, mas têm um
apetite maior por ela", complementa.
O relacionamento deles com a hierarquia também é diferente.
"Isso vem de uma mudança no envolvimento do jovem com a família. A relação
com a autoridade era mais conflituosa. A relação com os pais, hoje, é muito
mais aberta, tranquila. Os jovens podem questioná-los, numa relação de
confiança muito maior", diz Mauro Mercadante, do Lab SSJ. "Em uma
mesa de reunião, com a presença do presidente da empresa, é muito mais fácil
que um jovem se dirija a ele fazendo questionamentos do que qualquer outro
presente. E esse comportamento, muitas vezes, é interpretado como
arrogante", avalia.
Isso demanda, então, um forte trabalho do RH em preparar os
gestores para receber esse pessoal e, ao mesmo tempo, facilitar a integração
dos mais jovens com os mais velhos. Um dos caminhos é fortalecer a prática de
feedback. A propósito, segundo o levantamento do Lab SSJ, 57% dos jovens
ouvidos esperam que seus líderes proporcionem feedbacks honestos e
transparentes com frequência. Bem como esperam orientações, direcionamentos e
treinamentos da função claros e efetivos.
Boas práticas
E por falar em treinamento: esse foi um dos pontos que
mantêm a atenção de Matheus Bianchi na Whirlpool. Formado em relações
internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), hoje ele
é analista da empresa, depois de ter passado pelos programas de estágio e de
trainee. "Esperava realmente tudo o que de fato a empresa me ofereceu:
oportunidade de conhecer áreas, liderar projetos e treinamento", lembra. Ele
conta que o principal aprendizado ao longo do programa de trainee foi que é
preciso respeitar o seu tempo de desenvolvimento. "A empresa é muito clara
sobre a sua performance no projeto e sobre seu potencial. Por essa clareza,
transparência e boa relação com o gestor, você acaba entendendo qual é o seu
tempo", afirma.
A Whirlpool orgulha-se de ter grande número de jovens em sua
estrutura. Para aproveitar o que eles podem levar de melhor para organização,
ela possui programas de estágio e de trainee bem estruturados. No primeiro, o
jovem que está concluindo a faculdade conta com orientação de carreira e apoio
de ex-trainees para seu desenvolvimento. Metade do seu tempo é destinado a
tarefas do dia a dia e a outra em projetos da área em que atua. Já graduados,
os trainees passam por dois anos de envolvimento em tarefas desafiadoras e
capacitações que promovem seu desenvolvimento. Nos três primeiros meses, passam
por diversas áreas da empresa sem ocupar uma função, apenas para entender como
funciona a companhia. Depois, são alocados em um projeto estratégico.
"Isso dá a eles grande visibilidade e possibilidade de desenvolvimento em
um papel de transformação", diz Andrea Clemente, gerente geral de RH da
Whirlpool.
Esse projeto no qual o trainee é inserido pode ser
desenvolvido não apenas no Brasil, mas também em outros países nos quais a
empresa tem operação. Para que atue da melhor forma, o jovem recebe suporte de
capacitação em temas técnicos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em temas
comportamentais pelo Lab SSJ. Também conta com um mentor e apresenta os
resultados de seu trabalho não apenas para seu gestor direto, mas para a
diretoria e presidência da empresa.
"Ele vem com uma alta expectativa e nós também temos uma alta
expectativa em relação ao seu desempenho, por isso lhe oferecemos meios para
que isso se concretize", ressalta Andrea.
Portas abertas
No programa de estágio da Dell Brasil, o jovem conta com um
plano de desenvolvimento, mentoria e feedbacks. "Sabemos que o feedback
para o jovem deve ser o mais constante possível; por essa razão, levamos esse
tema para o treinamento de lideranças", afirma Paulo Amorim, diretor
executivo de RH para América Latina. Ele conta que a geração Y está mudando o
pensar das demais gerações. Por isso, a companhia resolveu investir em
políticas de atração e retenção de jovens que valem para todos os profissionais
da empresa. Uma delas é a flexibilidade do horário de trabalho. "Se o
cargo permitir, as pessoas também podem optar por fazer um trabalho em home
office. Confiamos na responsabilidade do profissional. Por isso, treinamos os
nosso gerentes e queremos que eles entendam isso." Outra prática é a
política de portas abertas, que libera qualquer pessoa para falar com outra,
sem burocracia, independentemente do cargo que ambos ocupem. "Jovens que
querem falar sobre carreira comigo, por exemplo, me acionam pelo MSN e marcam
um horário. Não precisam passar por secretária ou ter aprovação do gestor para
isso. Podem falar sobre o que quiserem a hora que quiserem", conta Amorim.
O uso das redes sociais também é liberado. "Partimos de
uma cultura de respeito e de confiança. Claro que fazemos um treinamento para
mostrar o comportamento esperado de uma pessoa da empresa nas mídias
sociais", explica o diretor de RH. A própria Dell Brasil cria redes na
intranet nas quais são debatidos temas relacionados à diversidade. "São
comunidades livres que não têm interferência da companhia. A GenNext [sobre os
jovens], por exemplo, tem 400 membros. E surgiu dela, no ano passado, a ideia
de fazer um workshop com gerentes e jovens para debater como evoluir na
convivência entre gerações. E esse evento foi realizado."
Gerente de marketing e produto das linhas de notebooks,
ultrabooks e tablets corporativos da Dell Brasil, Silvia Martí Barros, de 25
anos, ingressou na empresa como estagiária, em 2010, e foi efetivada após seis
meses como analista de marketing, depois de passar por um processo de seleção
interno. Graduada em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, a jovem não pensava, inicialmente, em ter carreira em uma empresa. Queria
fazer o estágio pela experiência e, depois, seguir carreira acadêmica.
"Não sabia se iria me adaptar e gostar do ritmo de uma empresa. Queria
sair da universidade garantida em um ambiente em que eu estivesse
constantemente aprendendo no médio e longo prazo. A Dell abre espaço para
tentar coisas novas. Assim, essa possibilidade de continuar crescendo foi
determinante", diz Silvia. "Também foi determinante ter tido contato
com bons líderes, que se preocupavam comigo, em um ambiente saudável, no qual a
gente consegue ser livre", complementa.
Amorim percebe que os Ys têm uma velocidade diferente da dos
profissionais de outras gerações. "Isso gera um desafio para os gestores,
mas também é bom porque ajuda a organização a evoluir e a fazer mudanças de
forma rápida. Alguns auxiliam com a experiência e outros a desafiar o status
quo. Os jovens de hoje são os líderes do futuro", destaca o executivo.
Fazer sentido no fim do dia
A exemplo da Whirlpool, o Santander também possui um grande
contingente de jovens, 40%, segundo Renata Bereta, superintendente de RH do banco.
O relacionamento com esse pessoal começa antes mesmo de eles ingressarem no
mercado de trabalho, pela plataforma virtual Caminhos e escolhas, uma rede
social para orientação de carreira. Além disso, o banco oferece programas de
estágio e trainee e outros, como os que levam os profissionais para disseminar
melhores práticas em outros escritórios da empresa no mundo. Um projeto que
será concluído este ano é o Ser jovem, que selecionou 400 pessoas da
organização por meritocracia para passar por um programa de
autodesenvolvimento, que inclui oportunidades para se conhecer melhor e
escolher entre opções de capacitação em temas que lhes interessassem. Paulo
César da Silva, analista de suporte à gestão, é graduado em administração pela
Universidade Iberoamericana e ingressou na empresa há cinco anos como
estagiário. Hoje, ele participa também do Ser jovem. "O que estou fazendo
precisa fazer sentido para mim no final do dia.
Um projeto para simplificar os contratos dos clientes de
financiamento é algo que faz sentido para mim, por exemplo", afirma. Silva
também cita como fator determinante para permanecer no banco o fato de a
empresa permitir que o funcionário seja protagonista. "Isso ficou claro
para mim durante o Ser jovem", comenta. Ele sentiu falta da possibilidade
de conversar sobre carreira com os altos executivos da empresa e procurou o RH
para falar sobre isso. Conseguiu abertura para propor a organização de um
evento reunindo os 400 participantes do programa e executivos do banco,
inclusive o presidente. "Se a gente for capaz de oferecer desafio,
aprendizado e oportunidade de desenvolvimento, o jovem fica", diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário