sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O que é Procrastinação?

É frequente a queixa de pessoas que não suportam o próprio hábito de deixarem tudo para depois. Quando simplesmente não deixam para depois, essas pessoas se desviam tanto do objetivo principal durante a preparação para aquilo que deveriam fazer que acabam não fazendo mesmo.

A pessoa que procrastina levanta com o firme propósito de que hoje, decididamente, começará a preparar seu currículo no computador. Bem, mas para começar é importante dar uma arrumadinha na cadeira do escritório que está com a rodinha emperrada. Ok. Deve, para isso, comprar um lubrificante naquela casa comercial maravilhosa onde tem de tudo. Até uma lanchonete onde toma um sorvete delicioso, depois passa na banca de revistas, vai para casa, mas já é hora do almoço. Depois do almoço começa a lubrificar a cadeira do escritório e aproveita para ver o que mais precisa de lubrificação em casa. Já está quase na hora da academia. Pronto. Hoje não dá mais tempo de preparar o currículo.

Chama-se procrastinação a protelação ou adiamento de uma ação decidida ser necessária. Mas evitar tarefas nem sempre é preguiça ou doença. Cogita-se que 80% das pessoas procrastinam com certa freqüência e, como consolo, provavelmente 99% das pessoas devem procrastinar de vez em quando.

A população da Roma antiga já utilizava o termo procrastinação. A conotação desta utilização antiga parecia refletir a noção de que o adiamento da ação ou da tomada de decisão poderia ser algo necessário e sábio, provavelmente porque implicava um processo de tomada de decisão complexo, o qual se opunha a comportamentos impulsivos. No entanto, por motivos não completamente esclarecidos, a procrastinação acabou por adquirir uma conotação moral negativa.

Possivelmente isso se deveu às sociedades orientadas para a realização, produção e sucesso, onde o não cumprimento de tarefas e compromissos dentro de prazos estabelecidos é uma séria ameaça à estrutura cultural. Dessa forma as pessoas que procrastinam são freqüentemente consideradas preguiçosas, irresponsáveis, pouco ambiciosas, indolentes e outros adjetivos pouco lisonjeiros.

Para cerca de 25% das pessoas adultas a procrastinação parece ser um problema significativo e, em 40% dos casos, resulta em perdas financeiras. Estima-se que a procrastinação seja um fenômeno comum a cerca de 70% dos estudantes universitários estudados por Marta Daniela Silva Costa. Cerca de 25% dos alunos pesquisados por ela consideram que a procrastinação é um problema moderado ou grave e que a tendência para procrastinar interfere de forma negativa com as suas médias e com a sua qualidade de vida.

As pessoas tendem naturalmente a procrastinarem a dieta, a arrumação dos armários, check-up médico, entrega da declaração do Imposto de Renda (veja que mais da metade dos contribuintes entrega a declaração nos últimos dias, apesar do prazo de dois meses para isso) e outras coisas que, convenhamos, são bastante aborrecedoras.

A procrastinação merece atenção especializada quando resulta em prejuízo sócio-ocupacional significativo, quando produz acentuado estresse, ansiedade, angústia, depressão e graves sentimentos de vergonha e de culpa pelo não cumprimento de responsabilidades e compromissos.

As razões psicológicas atribuídas à procrastinação não se verificam na clínica psiquiátrica. Diversas explicações já foram tentadas para explicar esse comportamento, tais como medo do fracasso, mentalidade autodestrutiva, perfeccionismo paralisante e muitas outras alegações que soam mais como uma fantasia teórica do que uma realidade constatada. Em termos do prazer, pesar o presente versus o custo e benefício de ações futuras parece ser a dinâmica emocional predominante dos procrastinadores.

Na questão das hipóteses psicológicas uma exceção deve ser comentada; no Transtorno Obsessivo-Compulsivo grave a procrastinação é, de fato, devida ao ritual perfeccionista. Fora disso, as explicações psicológicas que encontramos em inúmeros textos não se sustentam.

Na realidade o que se observa de concreto é o seguinte: a maioria das pessoas não procrastina atividades prazerosas, tais como comer, beber, transar, assistir filmes, ouvir música e assim por diante. Jogar um futebolzinho com amigos não é procrastinado, enquanto fazer o mesmo esforço físico em academia de ginástica tem uma enorme chance de ser protelado. Talvez a psicologia deva começar investigando a contraposição que existe entre o que é culturalmente definido como dever ou obrigação e aquilo que nosso ser privilegia como atividades prazerosas.

Nem sempre é a natureza da atividade quem determina a procrastinação. Atividades prazerosas por si mesmas podem ser procrastinadas quando a pessoa experimenta um certo desprazer pelo compromisso ou obrigatoriedade; “ter que” fazer é mais problemático que a atividade em si. Para algumas pessoas as atividades na academia de ginástica podem ser muito prazerosas, desde que não se sintam obrigadas estarem lá de 2ª, 4ª e 6ª das 17:30 às 19 horas.

Na procrastinação a valorização íntima dos impeditivos para que terminemos algumas tarefas que começamos são muito mais considerados psicologicamente do que os estímulos para terminá-las. Assim, diante dos mínimos empecilhos nossa motivação pode acabar esmaecendo. Isso piora muito quando a atividade em questão tem alguma desvalorização emocional, apesar de se tratar de um “dever”.  É o caso, por exemplo, da entrega da declaração do imposto de rendas, da visita protocolar a uma pessoa de importância meramente social e coisas assim.

Psicologicamente os prazeres valorizam o agora: vadiar agora e trabalhar depois. Atender às obrigações requer um empenho especialmente motivado por conceitos culturais do dever. Mesmo que a execução de uma atividade aborrecedora resulte em benefício futuro, como por exemplo, pagar antecipadamente uma multa de trânsito para usufruir o desconto. O apelo emocional para negarmos esse compromisso que repudiamos pode ser maior que os benefícios do desconto. Procrastinar, nesse caso, é uma espécie de protesto íntimo.

O psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade De Paul, do estado americano de Illinois, autor do livro Procrastination e de vários artigos (Ferrari, 2005) estudou esse comportamento em países tão distintos como Austrália, Estados Unidos e Venezuela para comprovar que não se trata de um comportamento de raízes culturais, mas uma conduta intrínseca ao ser humano.

Ferrari faz um comentário bem humorado sobre a tendência natural à protelação citando que “a maioria de nós começa o dia procrastinando, ao apertar aquele botão do despertador que permite ficarmos na cama por mais cinco minutinhos”. A procrastinação e suas conseqüências emocionais talvez resultem da contraposição entre o tempo psicológico de cada um, geralmente em concordância com os desejos, e o tempo social, definido pela cronologia cultural e baseado na racionalidade absoluta.

A falta de autocontrole que acaba fazendo com que as pessoas adiem atividades para as quais deveriam dar prioridade pode parecer uma forma impulsiva de comportamento ou uma perda do senso crítico e racional da situação. Mas o assunto é muito mais complexo. É tão complicado a ponto de encontrarmos freqüentemente textos alegando que “aquele que procrastina prioriza coisas menos importantes em vez de direcionar suas ações para aquilo que seria mais necessário realizar”. Ora, primeiramente devemos nos preocupar em saber o que é uma coisa menos importante, e para quem é menos importante.

O bom senso, estimulado pela psicopatologia, recomenda que a procrastinação deva merecer atenção especial quando produz sofrimento. Os exemplos desse sofrimento são variadíssimos; instabilidade familiar, perda econômica, ansiedade, estresse, sentimentos de culpa, perda da produtividade, baixo rendimento escolar e assim por diante.

Procrastinação e transtornos emocionais

Na psiquiatria quando o comportamento da procrastinação é associado a transtornos esses são, geralmente, de dois tipos; Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) grave e Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH).

As pesquisas sobre as raízes fisiológicas da procrastinação em geral estudam o envolvimento do córtex pré-frontal. Essa área do cérebro é responsável por funções de execução cerebral, como por exemplo, o planejamento, controle de impulsos e atenção. Ela age como um filtro diminuindo os estímulos capazes de causar distração. A baixa atividade dessa área pode reduzir a capacidade da pessoa se concentrar, resultando em má organização, perda de atenção e aumento de procrastinação. É isso que ocorre no lobo pré-frontal da pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Não é tão recente a teoria que explica as disfunções observadas no TDAH como sendo resultado de uma alteração central no córtex pré-frontal, a qual comprometeria a capacidade adaptativa da função executiva (Berkley, 1997). Essa alteração seria um déficit na capacidade de inibir respostas, o que explicaria os vários tipos de comprometimentos no TDAH.

No TDAH, tanto em crianças quanto em adultos, os portadores freqüentemente adiam o início da realização de quase tudo. Esta procrastinação pode agravar muito outros problemas já relacionados ao TDAH, como por exemplo, as desavenças conjugais, problemas na escola, no trabalho e com os amigos.

Nesses casos a procrastinação não é apenas uma condição comportamental, mas psicopatológica e que pode ser tratada com medicamentos e/ou terapia. Medicamentos utilizados no tratamento do TDAH podem melhorar a capacidade atenção e concentração e, dessa forma, melhorar a execução de tarefas. A terapia comportamental pode ser de inestimável ajuda para que o procrastinador tenha novos comportamentos mais adaptados.

Tradicionalmente a procrastinação tem sido associada ao perfeccionismo. Isso é mais ou menos o que acontece no TOC grave, quando a rigidez dos rituais é tão cansativa que acaba por desencorajar o paciente a executar determinadas tarefas. A eventual procrastinação do banho no paciente com TOC se deve aos exaustivos rituais que a doença obriga a realizar. Esses rituais tornam o banho exageradamente demorado e cansativo, fazendo com que o paciente acabe protelando-o seguidamente.

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