segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A revolução das pessoas

"Há pouco mais de cem anos, as empresas acorrentavam pessoas às máquinas. Hoje, são as pessoas que geram o conhecimento fundamental para as organizações e decidem se elas devem continuar existindo ou não". 

Há pouco mais de um século apenas, vivíamos sob a égide da expressão máxima da Administração Científica, grafada por Frederick Taylor: “trabalho simples para pessoas simples”.  A decomposição do trabalho complexo em atividades mecanicamente seqüenciadas e cronometradas permitia a contratação de empregados sem nenhuma qualificação, pois o treinamento implicava em capacitá-los em uma única tarefa muito banal, a qual deveria ser repetida infinitas vezes. 

Essa dinâmica mecanicista implicava em enxergar o ser humano apenas como uma extensão, um acessório da máquina. A pessoa era, literalmente, uma “engrenagem” do complexo produtivo. O clássico filme de Charles Chaplin, “Modern Times”, de 1936, é uma poderosa metáfora desses tempos. 

O Capitalismo mostrava as suas faces mais brutais. Na Europa da Revolução Industrial, era prática comum acorrentar os trabalhadores às máquinas para que eles não deixassem o local de trabalho, obrigando-os a jornadas de 16 horas, 18 horas, sem intervalos. Isto incluía crianças e mulheres grávidas. Muitos morriam extenuados. Em um ambiente assim, não havia espaço para o conhecimento das pessoas. Na verdade, as pessoas eram alijadas da sua humanidade, simplesmente porque isto não importava ao modo de produção.


A Revolução Produtiva, segundo Drucker


Segundo Peter Drucker, foi justamente a aplicação do conhecimento humano ao trabalho o que possibilitou um boom de produtividade, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. O próprio Taylor tinha entre suas preocupações centrais o sentimento de ódio existente entre as classes trabalhadoras e os capitalistas, no final do século XIX, por razões muito óbvias. Taylor dedicou a isto boa parte da sua inteligência e energia, e imaginou que se os trabalhadores fossem mais produtivos, poderiam ser mais bem remunerados. E isto, por sua vez, reduziria a tensão entre as classes. 

Mesmo assim, como assinala Drucker, o axioma de Taylor de que todo trabalho manual, qualificado ou não, poderia ser analisado e organizado pela aplicação de conhecimentos, parecia absurdo aos seus contemporâneos (...). Poucos anos depois que Taylor começou a aplicar o conhecimento ao trabalho, a produtividade começou a aumentar a uma taxa de 3,5% a 4% ao ano – o que significa dobrar a cada dezoito anos, aproximadamente (...). Desde que Taylor começou, a produtividade aumentou cerca de cinqüenta vezes em todos os países avançados”, completa. Drucker afirma ainda, que o que criou as economias pujantes e o extraordinário aumento no padrão de vida e qualidade dos países desenvolvidos foi, justamente, a aplicação de conhecimento ao trabalho.

De lá para cá, o conhecimento deixou de ser algo genérico para se transformar em algo altamente especializado.  A combinação desse conhecimento e sua aplicação em tarefas comuns é o que garante inovação no modo de fazer. Hoje, o fluxo em rede, amplamente facilitado pelas tecnologias da comunicação e pela mobilidade, permite que diferentes conhecimentos especializados sejam combinados imediatamente, mesmo a grandes distâncias geográficas, e criem possibilidades e escalas até então inéditas. Mas estamos apenas engatinhando na Era do Conhecimento que é, na verdade, a Era das Pessoas.


O poder das pessoas nas organizações


Dos escravos da industrialização até os dias de hoje, houve gigantescas conquistas ocorridas no âmbito das liberdades individuais. São fantásticas as possibilidades trazidas pela tecnologia da informação e da comunicação entre as pessoas.  Desenvolveu-se uma consciência ecológica evoluída, hoje amplamente difundida entre todos os povos.  A globalização dos mercados também fortaleceu o desenvolvimento de uma “visão global”. Os avanços na defesa pela igualdade e pelos direitos individuais e coletivos, e a cada vez maior prevalência da Democracia sobre regimes autoritários e ditatoriais, não admitirá retrocessos. A consciência sobre a liberdade e a responsabilidade do homem transformou para sempre a nossa forma de compreender o mundo. 

Todas essas transformações vividas em nossos tempos colocam cada vez mais “a pessoa” no centro das organizações. Não é uma questão puramente humanística, ainda que eu defenda que se fosse “apenas” isto, já seria motivo suficiente para considerá-la. Mas é também de caráter estratégico, político e econômico. Hoje, as pessoas têm muito mais poder, individual e coletivamente, frente às organizações. Homens de negócio de verdade sabem o que isto significa. Ora, projetemos o poder das pessoas em apenas três entre dezenas de dimensões passíveis de observação:

•    Se pensarmos nas pessoas como células interconectáveis de produção, difusão e aplicação de conhecimento para melhoria da produção e inovação, teremos uma ideia do que isto representa em termos de estratégia para os negócios. 

•    Se pensarmos no quanto decisões de consumo baseadas em informações disponíveis sobre experiências e julgamentos individuais, que tendem rapidamente a se coletivizar pelas redes sociais, podem afetar os resultados das vendas, observaremos o grande poder econômico das pessoas.

•    Se pensarmos na incrível capacidade de mobilização física e virtual dos indivíduos para pressionar governos e empresas, constataremos a poderosa ação das pessoas no âmbito político e social.

Tudo isto moldou um ser humano que não mais aceita os limites estreitos e cada vez mais restritivos da chamada Administração Burocrática, tão bem representada na abominável expressão “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Esse modelo não é só contraproducente para os negócios como também socialmente nefasto aos olhos deste século. Contudo, ele ainda está em curso, porque as estruturas burocráticas continuam a perceber apenas superficialmente essas profundas transformações, mergulhadas que estão na cegueira do curto prazo. Na prática, elas ainda patinam procurando resolver questões da Era do Conhecimento com o mapa mental da Era Industrial, o que é perigoso para a sociedade, para o meio ambiente e, por consequência, para os negócios.


Organizações burocráticas X Organizações Estratégicas

Muitos dos gigantescos conglomerados empresariais da atualidade se desenvolveram na era da Revolução da Produtividade Industrial e essa foi a base sobre a qual foram erigidos modelos, métodos e práticas de sucesso. Mas também aqui, a própria definição de “sucesso” é altamente questionável, se observarmos os impactos que gerou.

Esses modelos e práticas influenciaram todas as gerações de administradores e demais profissionais, até os dias de hoje. Eles moldaram os paradigmas das organizações e do mercado, tal qual os conhecemos. Drucker resume essa dinâmica de modo categórico: “A Revolução da Produtividade tornou-se vítima de seu próprio sucesso”.

Portanto, é compreensível, ainda que altamente indesejável, que as organizações resistam às mudanças mais profundas. Elas parecem sentir a desestabilização de boa parte dos alicerces que as sustém. Assim também ocorre com as crenças e os referenciais daqueles que têm o dever de tomar decisões. É muito simples assumir discursos com ares de contemporaneidade e comportar-se como um papagaio que não alcança o significado daquilo o que reproduz. Mas é muitíssimo difícil realizar mudanças verdadeiras no modo de pensar e agir das organizações. Grande parte delas ainda está perigosamente no plano do discurso. Isto, porém, não se sustenta por muito mais tempo.

Postulados antes inquestionáveis estão caindo por terra muito rapidamente. A posição formal e mandatória da hierarquia tradicional está visivelmente fazendo água pelo simples fato de que não consegue mais dar respostas à maioria das questões apresentadas no presente. Está clara a necessidade de um novo posicionamento, uma nova forma de agir e pensar. O que representa um grande desafio para as lideranças tradicionais é, na verdade, um mercado de oportunidades para os novos líderes que estão surgindo, mais alinhados com o futuro que se constrói agora, diante dos nossos olhos.

Adeus, dinossauros...

Enganam-se aqueles que pensam que posicionar-se em favor dessas mudanças representa um risco à empregabilidade e que o melhor é moldar-se ao "statu quo", cedendo à tensão estrutural. Não podemos nos esquecer de que as organizações, sobretudo as empresas, são altamente dependentes de inovações. E inovação nada mais é do que “uma destruição criativa”, como defendeu Joseph Schumpeter.

Estamos diante da necessidade de uma transformação radical no modo de ser das organizações, em benefício das próprias organizações. Isto implica em destruir criativamente muitos dos estamentos mecanicistas da Administração Burocrática, ainda fortemente arraigados, e colocar em seu lugar, um a um, pilares adequados às novas exigências do mercado. Leia-se “exigência das pessoas” que formam e ditam os rumos desse mercado. 

Os empresários, acionistas, CEO’s, os CFO’s... sabem disso e valorizarão cada vez mais profissionais preparados para conduzir essas mudanças com conhecimento de causa, comprometimento com um novo patamar qualitativo de resultados e capacidade para liderar pessoas, tudo com o foco na Nova Estratégia. Por quê? Porque isto reduz riscos. 

Mas e os empresários, acionistas, CEO’s, CFO’s... que não têm essa sensibilidade? Certamente serão substituídos, porque representam riscos ao negócio e à reputação das empresas. Da mesma forma que os empregados eram acorrentados às máquinas, no início da Revolução Industrial, esses líderes ficarão para sempre acorrentados a práticas que, dia após dia, nos parecem cada vez mais bizarras. 

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